A escola Belga de produção cervejeira nunca foi muita adepta às regras rígidas como as estipuladas pela Lei da Pureza da cerveja de Guilherme IV. Eles sempre apostaram na inventividade do Mestre Cervejeiro, que ao dispor de uma vasta gama de ingredientes para colocar na sua cerveja, jamais economizaram criatividade. Mas nem por isso deixam te ter uma lógica inventiva ou um esboço do que seguir para elaborar uma tradicional cerveja belga.
No âmbito que significa a classificação legal das cervejas e até mesmo a política de recolhimento de impostos eles possuem sim algumas regras que subdividem as cervejas em classes de acordo com o Extrato Original (sigla representado por OG em inglês). Lembrando que isto nada tem a ver com o estilo da cerveja.
Categoria S(Superior) ou Classe S : > 15.5 graus Plato (1.062)
Categoria I ou Classe I : 11 a 13.5 graus Plato (1.044 a 1.054)
Categoria II ou Classe II: 4 a 9.5 graus Plato (1.016 a 1.038)
Categoria III ou Classe III: até 4 graus Plato (até 1.016)
Estas classificações servem para que o sistema tributário precifique os impostos e também para que o consumidor saiba o extrato original da cerveja que está comprando, sendo isto identificado no rótulo. Na Bélgica, além do malte de cevada é permitido a utilização de até 40% em forma de grãos como arroz, trigo, milho, cevada e açúcares. Alguns dias antes da cervejaria produzir, ela precisa informar ao fisco a intenção de produção e qual a cerveja através de uma declaração de volume e o extrato original pretendido. O pagamento dos impostos é feito ao apresentar esta declaração. Pode ser que no dia programado da produção apareça um fiscal (que entenda de cerveja) e faça a medição e a comprovação do que foi declarado. O mais legal deste tipo de tributação, é que de certa forma ele obriga o produtor a ter um excelente rendimento na produção, fazendo com que o extrato original seja o mesmo pretendido na declaração.
A respeito dos estilos de cerveja, a classificação Belga é bem mais simples que a proposta do BJCP e sua enorme lista classificatória. Sendo representada da seguinte forma.
Cerveja do tipo Pílsen
Cervejas Trapistas
Cervejas de Abadia
Geuze ou Lambic
Cerveja Especial
No momento farei uma abordagem apenas das Cervejas Trapistas e Cervejas de Abadia.
Trapistas x Abadia - Bélgica
A história é bem antiga, o fato é que para ser classificada como uma cerveja Trapista a produção precisa ser necessariamente feita por monges da ordem monástica católica Cirtecienses e somente 6 mosteiros na Bélgica são os afortunados:
Abadia Notre Dame Sint Sixtus Abdjij (Westvleteren)
Abadia Notre Dame d´Orval.
Abadia Notre Dame de Scourmont, Les Forges Chimay
Abadia Notre Dame Saint Remy , Rochefort
Abadia Notre Dame du Sacre Couer, Westmale
Abadia Sint-Benedictusabdij de Achelse Kluis , Achel
Pode-se dizer claramente que estas cervejas só levam em comum o nome Trapistas e que todas elas são de alta fermentação. Dizer que uma cerveja Trapista é o seu significado de origem, nada tem haver com um estilo específico.
Cada dia mais, aparecem cervejas com o “sobrenome” Abadia nos rótulos. Isso se deve ao fato de que as cervejarias pegam carona no sucesso das produzidas pelos Monges Cirtecienses, e daí podem “linkar” o nome com as então Trapistas. Mosteiros abandonados são palco de construção de novas cervejarias, outros, na esperança de retorno financeiro fazem parcerias com cervejarias; ainda cervejas que colocam nomes de Santos nos Rótulos recebem o título de cerveja de Abadia. As cervejas Trapistas e de Abadia costumam ser similares nos quesitos aromas e sabores, o que faz com que mundialmente fiquem conhecidas como cervejas de Abadia.
Especificações para classificação de cerveja de Abadia:
Gravidade Original : 12.5 a 24 graus Plato
Gravidade Final : 2.5 a 5.5 graus Plato
Atenuação Aparente: 70-80%
pH: 3.9-4.3
Amargor: 20 a 35 IBU´s
Álcool: 5.2 – 10% v.v
Percebam que estas especificações são muito vastas e abrangedores, mas assim são as cervejas de Abadia. Reparem também que são geralmente cervejas com corpo macio, sabores adocicados, aromas frutados e esterificados. Os lúpulos são utilizados de maneira sutil, sem que nenhum aroma sobressaia ou amargor pronunciado. A carbonatação é quase sempre elevada e o final seco. O amargor que se sente no final é normalmente atribuído ao trabalho do fermento. O fermento é a grande arma das cervejas Belgas, ele acaba impondo suas características mais marcantes e revelando suas mais ímpares qualidades.
Como substilos de cerveja de Abadia temos então duas classificações , Double (Dubbel) e Tripple (Trippel) categorizadas de acordo com o potencial alcólico.
Dubbel:
Gravidade Original : 15.7 a 17.5 graus Plato
Gravidade Final : 3 a 4.5 graus Plato
Atenuação Aparente: 70-80%
pH: 4.1-4.3
Amargor: 18 a 25 IBU´s
Álcool: 6 – 7.5% v.v
O nome Dubbel surge na idade média, quando os monges produziam uma cerveja que tinha o dobro do extrato original de uma cerveja mais simples ( 7.5 a 8.8 graus Plato) produzida na época. É uma cerveja que se caracteriza por coloração castanho escura, aromas de lúpulos pouco pronunciados, amargor baixo. Extremamente maltada e com notas frutadas aromáticas variantes do fermento. Na produção destas, normalmente se utiliza de frutas secas para dar um dulçor e corpo diferenciados. A coloração delas também está diretamente ligada a utilização de açúcar mais escuro.
Trippel:
Gravidade Original : 17.5 a 24 graus Plato
Gravidade Final : 4.5 a 6 graus Plato
Atenuação Aparente: 70-80%
pH: 4.1-4.3
Amargor: 20 a 25 IBU´s
Álcool: 7 – 10% v.v
O nome Trippel surgiu pelo mesmo motivo da Dubbel, porém sendo representado pelo triplo do extrato original de uma cerveja convencional. Tal estilo foi pela primeira vez, elaborado pelos monges de Westmalle e todas as cervejas criadas com esse nome tem uma proposta similar. É uma cerveja de coloração alaranjada, com bastante potência alcoólica, que só é perceptível na sensação de aquecimento da boca. Engana por ser adocicada e ter aromas cítricos tão agradáveis. Tem o corpo macio e aveludado, com generosa carbonatação.
Resumindo, as cervejas de Estilo Abadia podem ser caracterizadas como Trapistas (uma classificação legal) ou como simplesmente de Abadia(com algum “link” religioso).
Ainda existem na Bélgica as chamadas Cervejas Especiais (Bière Spèciale). Bom, quando elas não encaixam nos parâmetros já citados, elas são simplesmente chamadas assim. Temos exemplos como a Duvel, Piraat,Delirium Tremens, MacChouffe entre outras. Cervejas de gostos únicos que abusam da criatividade do Mestre Cervejeiro. Não havendo regras tão restritas para utilização de maiores índices de amargor ou tipos de lúpulos.
Special Beer
Gravidade Original : 15.5 a 26 graus Plato
Gravidade Final : 3 a 5.5 graus Plato
Atenuação Aparente: 70-80%
Atenuação Real: 55-65%
pH: 3.9-4.3
Amargor: 18 a 50 IBU´s
Álcool: 6 – 13% v.v
Quadruppel
Ai vocês perguntam para mim:
-E o substilo Quadruppel ? O que é??
Este foi inventado pela única cervejaria Trapista que fica fora da Bélgica, a Abadia De Koningshoeven é produtora da cerveja La Trappe. A receita conhecida como Quadruppel se aproxima do estilo “Barley Wine” ou para algumas belgas chamadas apenas de “Grand Cru”. É uma cerveja extremamente alcoólica com coloração marron rubi, notas frutadas intensas , um tanto adocicada com corpo bastante licoroso, carbonatação de média a baixa. É um estilo raro e com poucos exemplares em produção.
Vale lembrar que de modo geral as cervejas belgas são temperadas com cascas de laranja, uvas passas, ameixas, coentro, cominho, cardamomo e outras deliciosas especiarias. Não existem regras para a inventividade. O processo de produção é mais demorado que o da grande maioria das cervejas e o mínimo de 1 mês e meio é necessário para produção de qualquer desses tipos citados. Ainda existe o tal primming, o famoso “candy sugar” da re-fermentação que é até hoje um dos maiores segredos de cada cervejaria.
A Wäls se orgulha se ser reconhecida como a cervejaria mais Belga do Brasil e sentimos imensa honra ao produzir cervejas tão fascinantes como Dubbel, Trippel Quadruppel e Brut. Podem ter certeza que mais delícias virão e que nossos segredos permanecerão encantando vocês.
Quando nos pergutam o que fazemos em determinada receita, costumamos dar algumas dicas e sempre completando com a frase:
- “A verdade está aqui dentro do copo! Basta procurar com calma...”
Ótimo post.
ResponderExcluirE digo que a Wals Dubel é talvez a melhor do estilo que já tomei - incluindo as trapistas.
Abs
Muito Obrigado Bruno! Saiba que ela é produzida com muito carinho! Abraços!
ResponderExcluirRealmemte a Wals está de parabéns, é de cervejarias assim que estamos precisando, eu como homebrewer sigo no mesmo caminho, ousando, experiementando, no momento estou desenvolvendo uma receita de uma Trippel IPA, alguma sugestão de lúpulo de aroma?
ResponderExcluirFklotz, muito obrigado! Bom, em relação a sua Trippel isto é fantástico! Se você for seguir o padrão belga de produção eu diria para utilizar lúpulos como Saaz ou Styrian Golding. Se for seguir o padrão IPA americano, utilizaria o tradicioanal Cascade ou Amarillo... Isso vai da sua cabeça... porque não faz experiências diferentes?? E se fosse você, eu faria um dry hopping para caracterizar os aromas de lúpulo. Agora lembre-se, algumas caracteristicas convencionais de Trippel vão ficar meio tímidas e não vão aparecer...
ResponderExcluirAbraços e boa sorte